Aula 3: Princípios implícitos do Direito Administrativo
- Admin
- 20 de out. de 2016
- 7 min de leitura

Razoabilidade e proporcionalidade: estão no centro do estudo dos princípios jurídicos, com forte utilização pelo Judiciário. Há quem entenda que são fungíveis (STF) e quem entenda que há diferenciação entre ambos (Barroso), embora possuam origem e fundamentos diferentes, nascendo a razoabilidade nos EUA, com base no devido processo legal, e o da proporcionalidade na Alemanha pela ideia de Estado de Direito.
No início, o princípio do devido processo legal relacionava-se à observância de regras procedimentais, o que evoluiu para a ideia de devido processo legal substancial, a razoabilidade, ou seja, que deveria englobar a ideia de atuação razoável do Estado, com vedação ao excesso de seu arbítrio.
Na Alemanha, a proporcionalidade surge na ideia de Estado Democrático de Direito e de direitos fundamentais, sob a premissa de que não é possível pensar em um Estado de Direito que atue de maneira desproporcional, arbitrária, especialmente no sopesamento de direitos fundamentais.
Por não ser expresso, pode ser retirado tanto do devido processo legal, quanto do Estado Democrático de Direito e dos direitos fundamentais.
Para verificar a razoabilidade e proporcionalidade, ela deve passar nesses 3 testes ou possuir esses 3 subprincípios: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
Adequação: a medida deve ser potencialmente idônea ou adequada para atender a finalidade pretendido pelo agente público. "Não dá para tapar o sol com a peneira."
Exemplo! O STF declarou inconstitucionais normas que exigiam comprovação de capacidade para o exercício de profissões de corretores de imóveis e de jornalistas mediante obtenção de diplomas universitários. Entendeu-se, então, que o diploma universitário não era meio adequado para comprovação de capacidade para exercício da profissão, uma vez que o melhor profissional nessas áreas não necessariamente seriam aqueles que possuíssem diploma.
Necessidade: considera a vedação do excesso, significando que se o Estado tem duas ou mais opções disponíveis para atingir o mesmo fim, ele deve adotar, necessariamente, a opção menos restritiva de direitos. Do contrário, se ele adotar o caminho que mais restringe de direitos, a medida será considerada excessiva.
Exemplo! Se você tem uma fábrica que emite poluição acima do permitido e o fiscal ambiental identifica o problema, mas na hora de autuar a fábrica há duas opções: (i) readequação à lei pela aquisição e instalação de um filtro; ou (ii) interdição da fábrica.
Nesse caso, se o fiscal determina imediatamente a interdição da fábrica, essa medida é excessiva e desrespeita o subprincípio da necessidade, ainda que tenha previsão legal, como no exemplo.
Proporcionalidade em sentido estrito: para muitos autores, é quando ocorre a ponderação de interesses, porque na resolução de um caso concreto, pode ser necessário realizar a ponderação de princípios, a fim de se identificar qual norma vai prevalecer. Para que a decisão seja legitima, ao decidir o caso concreto, o julgador deveria ponderar as normas em conflito e dizer de maneira justificada qual norma vai prevalecer no caso concreto, afastando a outra.
Exemplo! Uma lei do Paraná exigia que os comerciantes de gás pesassem o botijão gás na frente no consumidor, devendo descontar as diferenças entre o peso anunciado e o peso entregue. Só que, na prática, a norma inviabilizaria a venda do produto, que é feita em domicílio e por pequenos comerciantes, alegando sua inconstitucionalidade (proteção do consumidor x livre iniciativa e livre concorrência), dando prevalência à livre iniciativa e a livre concorrência em relação à proteção do consumidor.
Inclusive, houve quem alegasse a falta de necessidade da medida, uma vez que existiam outros meios menos gravosos à disposição do Estado para proteger o consumidor nesse caso - como a fiscalização dos produtos e estabelecimentos.
Supremacia do interesse público sobre o privado: é um princípio tradicional, mas que atualmente está em crise, embora parte da doutrina ainda o defenda, há quem diga que ele não existe mais ou, ainda, que nunca existiu. Defende-se a supremacia do interesse público primário sobre o interesse privado, e não do interesse público secundário, assim definidos:
Interesse público primário: é aquele diretamente relacionado com as finalidades do Estado, fundamentando a criação e existência do Estado, o que abrange diversas finalidades públicas que o Estado deve alcançar, como a garantia dos direitos fundamentais, defesa do meio ambiente, etc.
Interesse público secundário ou instrumental: envolve mecanismos e instrumentos que são necessários para o Estado alcançar suas finalidades públicas, ou seja, o interesse público primário - como a construção e aparelhamento de escolas públicas e contratação de professores e outros profissionais para cumprir a finalidade de garantir a educação.
Crítica! A Constituição originalmente prevê o atendimento do interesse da coletividade (interesse público) e de interesses privados individuais (como a propriedade, saúde, educação), e sendo certo que não há norma constitucional originária que seja inconstitucional, então é preciso que se estabeleça uma ponderação entre as normas que consagram direitos públicos e privados. Do mesmo modo, não há hierarquização entre as normas constitucionais, fazendo com que esse princípio, na realidade, não se aplique. O Daniel Sarmento, que é o idealizador dessa tese, inclusive, defende que há a supremacia do direito privado sobre o direito público, mas há quem defenda que não há supremacia nenhuma.
Crítica! Se o Estado desapropria o imóvel de alguém para construir uma escola, a pessoa perde o bem, mas diversas crianças terão acesso à educação. Nesse caso, se dirá que prevaleceu o interesse público. Mas que interesse público? Educação. Mas quando um aluno é matriculado na escola, se garante um direito individual, a educação. Trata-se, na verdade, uma colisão entre direitos individuais - propriedade x educação.
Princípio da continuidade: a prestação de serviços públicos deve ser ininterrupta, não podendo sofrer paralisações, uma vez que os serviços públicos visam à concretização de direitos fundamentais, de modo que a interrupção do serviço público fere os direitos fundamentais de um modo geral. Ainda assim, esse princípio não é absoluto, abrangendo certas exceções, que é a necessidade de funcionamento 24/7 (nem todo serviço precisa estar disponível 24 horas por dia) ou o caso dos serviços não essenciais (cujos agentes públicos podem realizar greve).
Interrupção do serviço público por inadimplemento do usuário: A tese prevalente no STF autoriza esse tipo de interrupção, embora haja controvérsia sobre o tema.
Greve do servidor estatutário: sempre existiu de forma ilegitima porque nunca foi editada norma que regulamentasse o direito de greve previsto na constituição (art. 37, VII). O STF defendia ser essa norma de eficácia limitada ou não autoexecutória (precisa de regulamentação para produzir efeitos de forma legítima), mas diante da demora excessiva do legislador, mudou seu entendimento para garantir a greve do servidor estatutário pela aplicação de analogia legis em relação à lei de greve dos trabalhadores em geral (Lei 7.783/1989) - não pode ser uma greve geral e precisa ser comunicada ao Estado com antecedência.
Exceção de contrato não cumprido em contratos administrativos: o art. 78, XIV e XV da Lei 8.666/1993 permite exceção à regra clássica (de não aceitação da tese em observância à continuidade dos serviços públicos), como o não pagamento por mais de 90 dias consecutivos em contratos de obras, serviços ou fornecimento, ou quando houver suspensões do serviço que totalizem 120 dias, consecutivos ou não, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, tanto para a interrupção do pagamento quanto para a suspensão do serviço.
Em se tratando de concessão de serviços público, não há essa possibilidade de paralisação do serviço público por inadimplemento, porque as normas de concessão não preveem a exceção à continuidade do serviço público (doutrina majoritária).
Autotutela: é princípio consagrado em duas súmulas do STF, a 346 e 473, e nos art. 53 e 54 da Lei nº 9.784/1999, permitindo a anulação de atos públicos devido à sua ilegalidade - que é um dever, e não uma faculdade do Estado -, respeitado o prazo decadencial de 5 anos, e a revogação de atos que são legais, mas são inconvenientes ou inoportunos.
A decadência aplica-se apenas à anulação dos atos administrativos, porque seus efeitos se operam ex tunc, ou seja, retroativamente, como se aquele ato nunca tivesse existido. Já a revogação pode ocorrer a qualquer momento, porque os atos anteriores à revogação permanecerão válidos, uma vez que se opera ex nunc.
Passado o prazo de 5 anos, há a convalidação involuntária, fazendo com que seus efeitos sejam preservados, ainda que houvesse uma ilegalidade inicial do ato, por conta do decurso do tempo, em observância ao princípio da segurança jurídica.
Lei nº 9.784/1999, "Art. 53 A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.
Art. 54 O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé."
Súmula STF nº 346, "A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos."
Súmula STF nº 473, "A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque dêles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial."
Princípio da consensualidade e da participação: tem sido cada vez mais recorrente a menção doutrinária à Administração consensual e participativa, considerando que o Legislativo tem tido por hábito consagrar instrumentos de participação popular, possibilitando o consenso na tomada de decisão administrativa, em substituição à tradicional atuação impositiva do Estado.
Observação! A teoria clássica administrativista tem no ato administrativo, que é um ato de manifestação unilateral da Administração Pública, e, portanto, um ato de atuação impositiva, como principal forma de atuação estatal. Esse protagonismo do ato administrativo tem progressivamente perdido espaço para decisões que derivam de processos ou contratos administrativos, que são sinais da consensualização da atuação estatal.
Exemplo! Consulta e audiência públicas.
Princípio da segurança jurídica, confiança legítima e boa-fé: quando se fala em segurança jurídica como um princípio constitucional implícito, se considera dois sentidos básicos: o sentido objetivo, pautado pela relação jurídica, e não nos sujeitos envolvidos, significando a necessidade de se manter a estabilidade dessas relações jurídicas, em favor da proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada; e o sentido subjetivo, que se direciona às pessoas envolvidas na relação jurídica, pela proteção de sua boa-fé e expectativas legítimas (confiança legítima).
Observação! Os princípios da segurança jurídica e da confiança legitima tem previsão expressa na Lei nº 5.427/2009, de processo administrativo do Estado do Rio de Janeiro.
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